quarta-feira, março 25, 2009

Why is this happening to me?

Vou seguir o exemplo da Rose e usar isso aqui pra reclamar. Aliás, não apenas da Rose, como meu próprio, pois se pararmos para observar, basicamente é pra reclamar que este blog serve. A questão é que eu fiquei doente. Eu nunca fico doente. Como nunca, jamais e de forma alguma apenas servem para expressar coisas que acontecem raramente, mas ainda assim acontecem, eu fico doente sim. Geralmente é um resfriado besta que passa sozinho sem causar maiores danos, por isso eu não tomo remédio. Mas quando você começa a sentir dor no corpo, febre, enxerga tudo embaçado e cai babando em cima do teclado, logo depois de espirrar trinta e sete vezes e ficar literalmente com dor nas costelas por causa disso, é hora de pensar a respeito. Sendo uma dessas pessoas que sentam e esperam a zica passar, eu não tenho conhecimento de causa pra saber que remédios tomar. Descrevi os sintomas entre meus algozes colegas de trabalho e obtive três respostas diferentes:

_ Joice, toma Tylenol, é tiro e queda.

_ Joice, eu tomo um tal ‘não sei o que grip’. Não é Benegrip não. É Multigrip, eu acho. Sei que é tiro e queda.

_ Joh, melhor você tomar Aspirina, que já está acostumada e sabe que é ti...

Tiro e queda. Sim, eu sei. Aliás, o tiro eu não sei de onde veio, mas a queda eu senti, uns quarenta minutos após ter tomado um de cada. O tal do Multigrip ficou preso na garganta e eu acho que se dissolveu por ali mesmo. Tomei água, café, chupei bala, mastiguei o fio do headset e o canalha não descia. O Tylenol me deu um calor desgraçado que só fazia aumentar a sensação de febre, além de causar um sono absurdo acompanhado da vontade inquietante de tomar sopa de mandioquinha. A Aspirina bateu no meu estômago - até então vazio - feito uma bomba de napalm e por muito pouco não pedi sugestões de remédios para azia, mas não queria confundir o ciclo de desventuras alopáticas que começava a se desenrolar ali. Morrendo de frio, calor, sono, fome e autismo auto-infligido, saí atrás de uma sopa. Não literalmente, claro, sopa não anda. Fui a quatro ou cinco lugares, entre restaurantes e mercadinhos, mas obviamente não encontrei sopa de mandioquinha e me contentei com aquelas sopas instantâneas de pacotinho que parecem caldo de ervilha e têm gosto de cebola, mas na verdade são de espinafre com queijo.

Passei o resto da tarde me comportando mais ou menos assim na frente do computador, fazendo um esforço descomunal para me fazer entender a cada vez que o telefone tocava e eu atendia com voz de Pato Donald dopado. Dormi em cima do casaco e fiquei com uma bela marca de zíper que descia pela bochecha esquerda até o queixo, babei em cima de documentos impressos a jato de tinta (o que dispensa maiores explicações) e causei vergonha alheia. Eu acho. Causei sim. Desculpa.

Cheguei em casa, pra variar depois de tomar chuva, com vontade de comer omelete com bacon, apesar de desconfiar que não fosse uma boa idéia mexer com utensílios de cozinha naquele estado de apatia e lerdeza medicamentosa. A certeza veio quando fiquei mais de dois minutos encarando a geladeira aberta sem lembrar o que eu queria pegar nela. Por algum motivo pensei em sardas e no fato de não gostar delas e vi que os ovos tinham pintinhas - 'Ah, sim, ovos!'

Aproveitei a sobriedade momentânea e peguei o bacon também. Lavei os ovos, pois não confio na higiene pessoal das galinhas, embora a casca porosa aquela altura já tivesse deixado passar todo tipo de porcaria para o lado de dentro. Preparei tudo, acendi o fogo, coloquei a frigideira pra esquentar e fui buscar o azeite no armário. Na volta a Bullet, minha dona, me interceptou e começou a afiar as unhas no meu All Star. Achei tão bonitinho que fui me inclinando pra ver melhor, inclinando junto a garrafa que estava aberta e fez escorrer um fio de azeite, que eu naturalmente só notei quando já tinha emporcalhado o tênis, a Bullet e o piso da cozinha.

Enquanto eu decidia qual dos três limparia primeiro, a frigideira - aquela esquecida no fogão - começou a soltar uma fumaça preta assustadora. Abri a torneira e enfiei a frigideira embaixo d’água, fazendo bem mais fumaça do que fazia antes da minha ajuda. Tentando fazer as coisas numa ordem mais sensata, fui quebrar os ovos para bater. Ou melhor, fui bater os ovos para quebrar. Bati na beirada da pia, mas calculei mal a força e aquela clara molenga escorreu pela minha mão, depois pela pia e pelo gabinete até chegar ao chão, onde fez uma poça que nem todas as toalhas de papel da China limpariam. Desisti de comer e fui fazer suco de maracujá, bem forte pra ver se ao menos dava sono. Consegui, mas cinco minutos depois, minha mãe grita lá da cozinha:

_ Jooooooooooooice, o que o açucareiro tá fazendo no freezer?

É. Eu QUASE consegui.

segunda-feira, março 16, 2009

Tenha um Puta Medo

A cabeça da gente é uma caixinha de surpresas né? Geralmente surpresas desagradáveis... Você está numa boa e de repente uma vírgula fora de lugar acaba com seu bom humor e te transforma numa megera indomada. O pior é trabalhar com suposições. E acredite: mulheres só trabalham com suposições. Tente explicar alguma coisa exata e cientificamente comprovada que a gente não só dá um jeito de romantizar tudo como ainda arranja encrenca com você por ter entendido errado.

A mente feminina tem a incrível capacidade de fazer tempestades em copo d’água. Esquece a água, dá um copo vazio que nos viramos muito bem. Inclusive, peço a atenção dos governadores dos estados do nordeste brasileiro: estão desperdiçando nosso potencial na luta contra a seca no sertão. Cinco mulheres na TPM, reunidas no mesmo ambiente, podem criar tempestades que abasteceriam os mananciais de trinta e cinco cidades de pequeno porte durante seis meses, segundo dados recentes divulgados pelo Instituto de Pesquisas Paranormais e Hidrográficas do Acre.

Não há no mundo amizade mais leal e sincera que essa que existe entre nós e a tensão pré-menstrual. Ela funciona quase como uma amiga de carne e osso: diz que você está gorda, que seu cabelo está feio, que aquele vestido não te favoreceu e que o carinha de quem você gosta está saindo com outra melhor, mais bonita e modelo 2010. E ela te diz tudo isso numa segunda-feira de manhã, sem fazer uso de lubrificante emocional e sem nenhuma menção de pedir desculpas. Mas ela também oferece vantagens que nem o gerente gato da sua conta bancária tem. Ela incha teus peitos e recheia o teu decote (não que isso seja indolor, mas é extremamente válido), ela mantém as pessoas indesejáveis (nesse caso TODAS) à distância, pois você fica tomada por um estado de desgraça tão aparente que ninguém em sã consciência se atreverá a te desafiar nesses dias. Ela justifica todos os xingamentos gratuitos, as discussões com o motorista do ônibus, as quatro barras de chocolate e o pacote de Nescau Ball na gaveta da sua escrivaninha. Ela te dá licença pra matar ou, pelo menos, para ameaçar de uma morte lenta e dolorosa o infeliz do seu parceiro que teve a discrepância de te perguntar, curioso diante do seu silêncio sepulcral e de sua expressão Pedro de Lara cover: Tá tudo bem?

Deixem-me fazer uma observação baseada na minha experiência pessoal que pode ser de extrema valia para vocês, homens. ‘Tá tudo bem?’ é a pior pergunta que você pode dirigir a uma mulher irada. Ao invés de questionar a inofensiva mudez acompanhada da cara de bunda, deixe a infeliz em paz no canto dela, pois o próximo estágio da crise inclui grunhidos histéricos e o arremesso de itens decorativos de peso médio em sua direção. Quer ser gentil? Apareça barbeado, perfumado, com flores e chocolates. Imprima algum poema pouco conhecido e reescreva, finja que é seu. Se ela não acha que você é um paspalho analfabeto, pode colar. Mas importante: mantenha o mutismo. De nada adianta você fazer tudo isso e emendar um ‘Tá tudo bem?’ logo em seguida. Você vai terminar arranhado, amassado e com gérberas vermelhas saindo pelo nariz. Depois não diga que não avisei.

Outra coisa que notei no meu último relacionamento, além da tendência a fazer perguntas cretinas no período mais propício a demonstrações de violência explícita e gratuita, foi a TPM masculina. Sim, ela existe. Os homens têm um senso tão grande de solidariedade para conosco que também ficam insuportáveis nesse período. É uma pena que esse senso de solidariedade seja inversamente proporcional ao amor que eles nutrem pela sua própria integridade física. Afinal, é sabido que não se deve provocar alguém que não consegue entrar num jeans tamanho 38 e que sofre de cólicas que a obrigam a passar o dia deitada em posição fetal, chorando por causa do reclame daquele seguro de saúde que mostra uma família feliz e bem sucedida fazendo piquenique no parque.

'E quando vocês não estão na TPM?', você se pergunta, já que não viramos monstros cascudos de seis braços e três metros de altura apenas uma vez por mês. Para esses momentos de mimimi inexplicável, que aparecem out of the blue e descontrolam sua vida, fodem os seus planos e fazem cair os seus cabelos, adotei o termo TPMicareta, por razões óbvias. TPM, pois os sintomas são os mesmos, salvo a ausência de cólica e de peitos naturalmente turbinados. E micareta, pois assim como a festa cujo único objetivo é ajudar os foliões a molharem o biscoito depois de fevereiro, a TPMicareta também é fora de época.

Às mulheres, só posso dizer que não há muito o que se fazer quando essa amostra grátis de inferno se apresenta. A não ser que você faça uso de calmantes, ansiolíticos, antidepressivos e remédios para dormir. Também recomendo que você ouça Nando Reis o dia todo, ele é o maior expoente da TPMpb e vai fazê-la se sentir melhor (embora seja mais efetivo quando acompanhado de duas caixas de BIS). Entregue seu cartão de crédito para alguém de confiança e peça para que só devolvam quando você for pedir sem a baba escorrendo no canto esquerdo da boca. Ausente-se de todas as redes sociais e mensageiros instantâneos que você normalmente utiliza e chafurde com força no sofrimento causado pela TPMicareta, pois ela é real, é devastadora e ainda vai te pegar.

quinta-feira, março 12, 2009

Neura

Quando me dei conta já estavam me expulsando:

_ Vamos fechar, Joice.

Estão pensando que isso aqui é o quê? Um bar, para irem me colocando pra fora assim quando acaba a noite? Se for desse jeito, vou cogitar beber no expediente. Mas não, o dia é que acabara, a noite estava apenas começando e eu nem me dei conta que era hora de ir embora. Eu precisava organizar minhas idéias e decidi ir caminhando até em casa, achei que uns vinte minutos de lua cheia e vento fresco fariam a mágica. Logo que pus os pés na rua vi que não tinha lua nenhuma e o ar estava parado, a caminhada seria escura, abafada e solitária, mas não desanimei. Não mais. Chega por hoje.

Despedi-me de minha amiga e disse aquele ‘Qualquer coisa me liga’ que significa ‘Não me procure nem se o mundo estiver em chamas e o inferno Dantesco se apresentar diante de seus olhos’. E fui por aí, sem meu violão debaixo do braço, afinal ele foi dado como perdido e trocado por outro mais legal e mais bonito. Mas sem personalidade. No meu violão empenado e descolado tem uma menina de quinze anos, emburrada, chegando em casa e se jogando na cama bagunçada, que estava sempre bagunçada, mas dessa vez também estava dura e desconfortável, talvez porque tivesse um violão escondido ali e a menina, que queria uma guitarra, se apaixonou por ele mesmo assim. Como em muitas outras paixões, eles não se entenderam por muito tempo, mas isso é assunto para outro post.

Passei num supermercado pra comprar algo para beber e covardemente não pensar tanto naquilo que incomodava. Ou pensar sim, mas com o discernimento anestesiado. Três garrafas de Erdinger, nunca antes vistas por estas bandas, brilharam na prateleira do alto pra chamar minha atenção. De novo a prateleira do alto. Mas essa eu alcanço. Aproveitei para comprar pistache, mas eles não são importantes. Olhei-me no espelho de uma pilastra e levei uns cinco segundos analisando o quadro. Caída, desanimada e com olheiras. Hoje minha aparência era sincera, eu não escondia nada atrás de sorrisos e piadas prontas. Saí, levando as garrafas e a certeza de que um dia terminaria me encaixando no padrão da família: alcoólatra ou diabética. Ou os dois ao mesmo tempo.

Novamente na rua, olhei pra cima só pra me certificar se iria mesmo sozinha para casa. E ela estava lá, grande, branca, imponente e nublada. Mas tudo bem, ninguém brilha todo dia e eu podia fingir que era o astigmatismo me cegando e não a neblina que apagava o seu contorno. Não teve ciúmes quando viu que eu tinha companhia pra mais tarde, ela entendia que era grande demais pra minha escrivaninha e tampouco cabia no freezer. E me pus a caminhar com ela, do mesmo jeito de quando eu era criança e achava que a lua e o sol andavam junto comigo, pois onde eu fosse eles iam também.

Acendi um cigarro e lembrei de Aerosmith - as you take a hit off your last cigarette. Havia esquecido de comprar cigarros e já estava longe do lugar mais próximo. Na terceira curva, aquela onde um dia eu vi Raul Seixas entrar no mato e desaparecer, percebi que um cara vinha logo atrás de mim. Analisei os riscos quando notei que ele andava no mesmo passo, diminuindo ou apressando a velocidade de acordo com meu ritmo. Ele era bem maior que eu, como a maioria dos caras é e eu fiquei apreensiva. Pensei nas possibilidades:

1- Ele me assalta e foge. Não bom.
2- Ele me assalta, me espanca e foge. Também, não bom.
3- Ele me estupra, me espanca, me assalta, toma minha cerveja, mesmo quente, e foge. Nada bom.
4- Eu calculo o peso das garrafas, bato nele, ele cai, eu o espanco, não assalto, mas fujo. Sem chance. Eu não vou quebrar minhas primeiras Erdingers em qualquer assaltantezinho de merda.

Passa um caminhão fazendo estardalhaço e o bandido pilantra me ultrapassa na calçada, pela esquerda. Percebo que ele leva uma sacola azul, de um açougue. Uma sacola azul grande, do tipo que um cara solteiro não leva pra casa. E ele até que tinha cara de pai de família, de bem, que tava levando algo para a esposa dele cozinhar. Achei graça de mim e deixei-o ir embora, sem precisar ameaçá-lo com cacos de vidro. Acho que a bandida era eu.

Duas curvas depois fui atropelada por uma esperança. Ela era enorme, verde e passou por mim voando. Tentei me agarrar a ela, mas lembrei que o meio mais fácil de matar uma esperança é se agarrar a ela. Deixei que ela fosse embora, talvez ela estivesse correndo para alcançar o cara da sacola azul e ele podia estar precisando mais dela do que eu.

Um pastor gritava no microfone, do segundo andar de um sobrado, que Jesus sabia do que eu precisava. Ora, se eu não sabia, como ele que não me conhece poderia saber? Eu sei dele sim, o cara é bem relacionado, tá na mídia. Mas de mim, nunca se ouviu falar. E eu quis gritar pro cara do microfone que ele estava ensurdecendo meus pensamentos e que eu precisava lembrar, eu precisava lembrar de tudo quando chegasse em casa.

Não exatamente quando chegasse em casa, mas logo depois que ligasse a TV, assistisse o telejornal, abrisse o jornal impresso de hoje, do dia, O Dia, e lesse as tirinhas do Angeli, do Laerte e o horóscopo, aquele no qual eu não acredito, mas que dizia:

‘A tensão entre Lua e Plutão pode significar uma overdose de sensibilidade. A melhor coisa a fazer hoje é se recolher e pensar sobre o que está acontecendo com você. Não gaste muita energia com besteira, e principalmente, não se exponha a pessoas negativas. ’

Então, se você é negativo, suma daqui ou amaldiçôo todos os seus descendentes. Se não é, pode continuar lendo. A tirinha do Angeli dizia algo sobre fazer música para acabar com a música, cinema para acabar com o cinema, teatro para acabar com o teatro e crianças para acabar com a raça humana. Eu achei que fazia todo o sentido, enquanto pensava num meio de ensinar ao meu possível futuro filho como utilizar três garrafas de cerveja em sua defesa pessoal. A primeira lição seria: ‘Compre cervejas vagabundas’. E a segunda e última: ‘Saiba reconhecer uma sacola de açougue antes de tomar qualquer atitude.’ A TV dizia que o cara que vivia com dois corações não havia resistido. Não o culpo, já é difícil demais administrar um, o que dizer de dois?

Tinha bobó de camarão para jantar e eu pensei se valeria a pena ter pesadelos por causa dele. Seis milésimos de segundos depois, decidi que valia sim e jantei. Logo depois tomei um banho frio. Abri o registro do chuveiro todo, desliguei o aquecedor e deixei a água fria bater com força em mim. E lembrei dele e da cachoeira. Deles e das cachoeiras. E do sujeito mais velho, frustrado com o casamento, que toma banho frio de madrugada pensando em outras. Peguei minhas cervejas, levei para o quarto e comecei a desabafar nessa tela branca que te olha com cara de ‘E agora?’. O resultado você lê acima. Ou leu acima, se você é dessas pessoas normais que começam pelo início...

segunda-feira, março 09, 2009

Tédio...

Passo pálida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela é! Parece morta!”
e eu que vou sonhando, vaga, absorta,
não tenho um gesto, ou um olhar sequer…

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
– O que é que isso me faz? O que me importa?
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!

O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo, eternamente …
O mesmo lago plácido, dormente …
E os dias, sempre os mesmos, a correr …


Florbela Espanca

terça-feira, março 03, 2009

Ganhando cicatrizes: parte II

Quando o ferimento estava parcialmente limpo, pediram para eu me deitar novamente, pois precisavam me fazer umas perguntas. Entraram na sala um PM, precedido por seu bigode absurdo e outra enfermeira, que para meu azar, não era nada sexy. Eles deviam estar brincando de algum jogo e não me avisaram, pois ambos falavam ao mesmo tempo, dirigindo-se a mim, enquanto ignoravam solenemente a presença um do outro. Como eu não conseguia me concentrar nas perguntas, minha mente começou a dar voltas e criar teorias que explicassem aquela situação e a que fez mais sentido foi: Eles tiveram um affair no passado e ela terminou com ele, pois ele passava mais tempo cuidando dos pêlos faciais do que fantasiando com ela vestida de branco, aplicando uma injeção enorme no traseiro militar dele. Deixando de lado os devaneios moribundos de uma mente entorpecida, as perguntas eram do seguinte naipe:

_ Qual o telefone da sua casa?

_ Você bebeu durante o show? Fez uso de alguma substância entorpecente?

_ Qual o nome da sua mãe?

_ Preciso do seu RG, está com ele?

_ É alérgica a algum medicamento?

_ Aquele ali fora é seu namorado?

A enfermeira devia ser fã de reality shows e programas sensacionalistas de fofoca, pois estava muito interessada na minha vida pessoal, enquanto o policial claramente tentava me convencer de que a culpa fora minha e das oito substâncias ilícitas que ingeri misturadas ao álcool minutos antes. Mentira, eu só tinha tomado uma cerveja. Uma mísera cerveja. Um suquinho de cevada. Aguada, diga-se de passagem.

Logo que convenci o PM que não era uma trombadinha viciada perdida na noite suja, ele confessou que na verdade quem estava bêbado era o motorista que me atingiu e que aquelas eram perguntas de rotina. Depois de me acertar, o carro do senhor Flávio Paixão bateu num poste, ou telefone público ou lixeira (não me recordo) e ficou imprestável, obrigando o cretino a fugir a pé, sendo alcançado logo em seguida pela polícia. O que foi inútil, pois ele tinha as costas quentes e eu... Bem, eu só tenho costas tensas.

Nesse ínterim, a enfermeira com complexo de Sônia Abraão já havia ligado para minha mal dormida mãe, que estava a caminho do hospital, transtornada e de pijamas, acompanhada do meu pai, que eu prefiro nem questionar o que estava pensando. Porém, antes que eles pudessem chegar, o médico que me atenderia adentrou o recinto, falando para quem quisesse ouvir:

_ Caraca! Vi um acidente ali na Sete de Abril que deve ter tido vítima fatal!

Fatal, para mim, é o sujeito que vai me costurar entrar na sala de emergência rebolando e gritando ‘Caraca!’, mas mesmo assim quis aproveitar a deixa:

_ Tô aqui! Mais viva do que nunca, mas precisando de reparos.

Eu ainda não estava sentindo dor. Aliás, o mais legal de tudo foi isso: não senti dor proveniente da laceração no braço. A única coisa que me doeu foi o hematoma de quarenta centímetros na coxa esquerda, que fui notar no dia seguinte, já confortavelmente instalada no hospital, enquanto uma completa estranha, atarracada e de mãos enormes e pesadas, me dava banho. Aliás, não desejo isso pra ninguém. Talvez pro canalha que me atropelou, apenas. A coisa mais invasiva do mundo é ter uma enfermeira, parecida com o Nelson Ned de peruca loira, esfregando a mesma bundinha onde sua mãe passou talco. Mas voltemos à sala de emergência, que a parte boa está por vir...

Apresentações feitas, o Dr. Marcelo pediu à enfermeira, a ex do Bigode, aquela que não era gostosa, para me aplicar a anestesia. Ah, sim, então ela não era apenas enfermeira, era anestesista. Aposto que servia café também. Coincidência ou não, a primeira não pegou. Nem a segunda. Na terceira eu já estava rezando para todos os deuses hindus que não permitissem que eu passasse pela experiência de ser costurada a seco. Mas os deuses hindus deviam estar cuidando de alguma outra vaca, e os primeiros pontos foram dados sem anestesia mesmo.

Começaram costurando o que estava solto por dentro, com aquela linha cirúrgica transparente que teoricamente se dissolveria com o tempo. Teoricamente, pois algumas semanas depois meu braço começou a expelir pedaços dos pontos internos e eles não pareciam muito ‘dissolvidos’. Uma artéria havia se rompido e o sangue, tímido a princípio, agora jorrava efusivamente, feito um gêiser de xarope de groselha que ficara feliz em ver o doutor Marcelo. Artéria consertada, chegou a hora de esticar a pele de modo que cobrisse tudo. Agradeci pela anestesia, primeiro por ter funcionado, finalmente. E segundo por ter sido local, me proporcionando a chance de assistir tudo aquilo.

Perdi um pouco de tecido próximo ao punho e eles não conseguiam fechar. O médico sugeriu um enxerto. Espera aí. Eu já não estava detonada o bastante não? Queriam tirar mais um pedaço, é isso? Da bunda? Não, não, estica isso daí! Puxa daqui, costura dali, conseguiram fechar. Tudo bem, necrosou duas semanas depois, mas ao menos a retaguarda estava intacta.

Serviço feito (mal e parcamente, pois não havia um cirurgião plástico para auxiliar o pobre plantonista), eles precisavam checar os possíveis danos internos. Quando foram me transferir para a outra maca, a enfermeira notou uma bolha próxima ao cotovelo. Fecharam o caminho do sangue e ele queria sair para brincar de qualquer jeito. Precisaram espremer meu braço pra tirar o excesso. Imaginem uma grapefuit suculenta num Juicer Walita. Isso mesmo. O passo seguinte foi fazer um curativo bem apertado e fingir que aquilo não estava acontecendo. Eu só conseguia pensar que meu braço ia apodrecer e cair e eu nunca mais ia conseguir tocar violão. Não que eu consiga. Não mesmo, nem um pouco... Na sala de radiografias recomeça a pentelhação: vira de um lado, vira do outro e mais perguntas:

_ Joice, na hora do impacto, você bateu com a cabeça?

Já ia respondendo a verdade: ‘Não lembro’, mas me toquei a tempo que o ‘não lembro’ automaticamente indicaria que bati com a cabeça, sim. Como já estava enjoada de ser espetada, cutucada, virada feito um frango de padaria e Deus, eu tinha fome e sono, respondi:

_ Não, só bati com a coxa, mas já radiografaram ela. Quebrei nada não.

Minha sagacidade assinou a carta de alforria. Fui transferida pra um quarto confortável, com janelas grandes, TV, lençóis engomados e aquela sopa insossa de frango seguida de gelatina como sobremesa, refeição que me pareceu deliciosa diante da minha fome e cansaço. Dormi até o dia seguinte, mas tive um pesadelo horrível, onde o Nelson Ned, usando uma peruca loira, me obrigava a tomar banho com ele.


Epílogo?

Brincadeiras envolvendo anões musicais (?) à parte, passaram-se quase nove anos desde o acidente. Meu braço está ótimo, funciona perfeitamente (de vez em quando dá uns choques na parte que necrosou, mas nada demais) e a cicatriz ficou linda, se comparada ao que eu imaginava que ia ficar. Acabaram fechando o ferimento com dois cacos de vidro dentro. Um deles era pontudo e cortante e saiu naturalmente, quando meti o braço na parede, em casa, brincando com minhas irmãs se não me engano. O outro está aqui até hoje, não faço questão de tirar, pois não incomoda em nada.

O hematoma na coxa demorou mais de um mês para desaparecer e acompanhei as fases dele: preto, marrom, roxo, azul esverdeado e finalmente amarelo, até sumir. Esse sim doía um bocado. Minha mãe não me xingou nem tentou me matar, mas passei alguns meses sob severas restrições para sair de casa. Perdi o primeiro mês letivo em virtude do acidente e aproveitei para matar bastante aula, já que ficariam com dó de me reprovar por falta.

O Joey Ramone? Bem, ele não sofreu nada grave, foi medicado e liberado. Me visitou algumas vezes no hospital, visivelmente envergonhado por ter se comportado feito uma velha esquizofrênica. Ficamos juntos por mais algum tempo, mas hoje não nos falamos mais. Sem ressentimentos, estou acostumada a ser o macho da relação desde que descobri que meninos não servem apenas como parceiros de bolinha de gude.

Quando eu digo que foi divertido, me chamam de louca. Mas sabem de uma coisa? Eu não morri, dei um bocado de risada da minha desgraça e ainda tenho história pra contar pros sobrinhos. O saldo não foi tão negativo assim.

Até o próximo então! Post, não acidente...

segunda-feira, março 02, 2009

Let's talk about love II

Apenas complementando o post que roubei do blog do Fernando Tucori com este monólogo final da música Vênus, do Paulinho Moska. Se ele não tivesse escrito isso, eu o teria feito. Ou ao menos tentado. Mesmo se, após reler tudo, achasse brega até o fim do mundo. Tem dias em que é piegas e tem dias em que é verdade absoluta.

Não falo do amor romântico,
Aquelas paixões meladas de tristeza e sofrimento.
Relações de dependência e submissão, paixões tristes.
Algumas pessoas confundem isso com amor.
Chamam de amor esse querer escravo,
E pensam que o amor é alguma coisa
Que pode ser definida, explicada, entendida, julgada.
Pensam que o amor já estava pronto, formatado, inteiro,
Antes de ser experimentado.
Mas é exatamente o oposto, para mim, que o amor manifesta.
A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído, inventado e modificado.
O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita.
O amor é um móbile.
Como fotografá-lo?
Como percebê-lo?
Como se deixar sê-lo?
E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor não nos domine?
Minha resposta? O amor é o desconhecido.
Mesmo depois de uma vida inteira de amores,
O amor será sempre o desconhecido,
A força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão.
A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação.
O amor quer ser interferido, quer ser violado,
Quer ser transformado a cada instante.

A vida do amor depende dessa interferência.
A morte do amor é quando, diante do seu labirinto,
Decidimos caminhar pela estrada reta.
Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos,
E nós preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim.
Não, não podemos subestimar o amor e não podemos castrá-lo.

O amor não é orgânico.
Não é meu coração que sente o amor.
É a minha alma que o saboreia.
Não é no meu sangue que ele ferve.
O amor faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito.
Sua força se mistura com a minha
E nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu
Como se fossem novas estrelas recém-nascidas.
O amor brilha.
Como uma aurora colorida e misteriosa,
Como um crepúsculo inundado de beleza e despedida,
O amor grita seu silêncio e nos dá sua música.
Nós dançamos sua felicidade em delírio
Porque somos o alimento preferido do amor,
Se estivermos também a devorá-lo.

O amor, eu não conheço.
E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo,
Me aventurando ao seu encontro.
A vida só existe quando o amor a navega.
Morrer de amor é a substância de que a vida é feita.
Ou melhor, só se vive no amor.
E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto.



Repararam como estou sempre dividindo as coisas em partes? Será que tenho tendência a me tornar uma esquartejadora? Ou pior, diretora de cinema?!

domingo, março 01, 2009

Ganhando cicatrizes.

Após um show de new metal que foi uma desgraça completa, eu e o cover de Joey Ramone que era meu namorado na época decidimos tomar o rumo de casa. Eram quatro e quinze da madrugada do dia oito de março de dois mil e um. Ou 04h15min de 08/03/2001 se preferirem assim. A madrugada estava agradável, como costumam ser as madrugadas de março, e seguíamos pela Rua Sete de Abril, com suas calçadas estreitas e aquela curva fechada que os motoristas sempre fazem com intenção de não fazer. E geralmente acima dos 60 km/h, o que é uma péssima idéia.

Seguíamos de mãos dadas, falando mal da banda, quando senti o baque. Ou será que ouvi o estrondo antes? Agora, tentando lembrar de cada detalhe, não tenho certeza do que percebi primeiro. Quando uma coisa assim acontece acho que nossa percepção de tempo e espaço fica meio descontrolada, ainda que por poucos instantes. O choque forte na coxa esquerda e o vôo estão nítidos na memória. Sim, eu voei. Naqueles centésimos de segundos deu tempo de pensar ‘Fodeu, minha mãe vai me matar, caso eu não morra aqui’. Aterrissei dentro de um táxi que estava estacionado na calçada logo à frente, quebrando o vidro traseiro dele com meu braço esquerdo. Caí em posição fetal, encaixada entre o banco de trás e o que restou do vidro. Devo ter apagado por poucos segundos, pois quando recobrei os sentidos e saí do carro pelo mesmo buraco que fiz ao entrar, o taxista ainda me olhava incrédulo, se perguntando de onde eu teria vindo.

A primeira providência que tomei foi procurar pelo Bruno, vulgo Joey Ramone cover, para ver em que estado ele se encontrava. Por sorte, mais dele do que minha não era o Acre. Percebi que ele estava sentado na calçada, descalço e meio desorientado, mas parecia bem. Eu não sentia nenhuma dor e deduzi que também estava inteira. Logo algumas pessoas começaram a chegar para verificar o que tinha ocorrido, trazendo meus sapatos e as coisas que estavam na minha bolsa e voaram longe. Um cara ligava para o 192 pedindo uma ambulância. Por pouco não arranquei o celular da mão dele. Eram quase cinco da manhã e eu precisava chegar em casa, minha mãe não dormiria enquanto eu não estivesse lá. Eu só pensava em limpar os cacos de vidro, deixar aquela bagunça se resolver sozinha e ir embora.

Foi então que percebi que o segurança da boate onde tinha rolado o show estava cochichando com outro sujeito e apontando para o meu braço, discretamente, como se não quisesse que eu percebesse. Fui checar o motivo da cara de espanto dele e vi que estava com o antebraço arregaçado até o cotovelo, na parte interna. Sabe quando você está com calor e arregaça a manga da sua camisa? Então, bem por aí. Eu lembrei inevitavelmente das figuras nos livros de biologia da professora Christina. Aquele osso branquinho aparecendo em meio à confusão de coisas nojentas que eu não sabia identificar e gordura. Aliás, que abundância de gordura pra um braço tão fino...

Quando caiu a ficha pensei novamente na minha mãe, que devia estar louca pra dormir e percebi, com pesar, que aquela manhã seria longa, na mais otimista das hipóteses. O segurança tirou a camiseta e me entregou para eu enrolar no braço e estancar o sangue. Sangue? Até então não tinha sangue nenhum, acho que o susto foi tão grande que ele sumiu. O braço estava estragado sim, porém limpo. Aproveitei que ainda não estava parecendo cena de filme B dos anos oitenta e coloquei a pele de volta no lugar, estiquei, ajeitei e enrolei a camiseta, bem apertada, em volta do antebraço.

Haviam se passado uns três ou quatro minutos, no máximo, entre descer do táxi e sentar no meio fio para esperar a ambulância. O Bruno, sentado ao meu lado, continuava desorientado, o que não era nenhuma surpresa, pois ele o era no dia a dia também. Percebi a umidade através da camiseta e fiquei mais tranqüila: sim, eu ainda tinha sangue. E pelo visto ele estava saindo todo de uma vez através do corte. Os curiosos já se acotovelavam ao nosso redor e uma profusão de vozes estranhas fazia aquelas perguntas estúpidas que sempre fazem nessas horas, como aqueles repórteres imbecis perguntando para a menina de doze anos que perdeu a família inteira num desabamento:

_ Como você está se sentindo?

Eu quis sugerir a todos que fossem visitar suas progenitoras, mas tinha outras coisas para me preocupar como, por exemplo, o playboy folgado que teimava em tirar os cacos de vidro do meu cabelo, da minha bolsa, de dentro da minha blusa... Ou ainda o Bruno, que continuava contabilizando suas poucas escoriações enquanto repetia num mantra interminável que ia ficar paraplégico.

A ambulância chegou e eu achei ótimo poder me deitar lá dentro e deixar aquele burburinho todo para trás. Entrei na emergência do hospital na horizontal, me divertindo horrores com as luzes que passavam ligeiras no teto do corredor. Ao chegar na sala onde seria atendida, a enfermeira foi logo removendo a camiseta, agora encharcada de sangue, para poder fazer a ‘assepsia do local’, como ela mesma disse. Entenda por ‘assepsia’ enfiar meu braço embaixo de uma torneira com água fria para tentar remover o máximo de cacos de vidro que fosse possível. A água gelada correndo por dentro do ferimento e a careta da enfermeira me trouxeram de volta à realidade e eu tive certeza que aquilo ia demorar bem mais do que eu gostaria...

Continua.