quinta-feira, março 12, 2009

Neura

Quando me dei conta já estavam me expulsando:

_ Vamos fechar, Joice.

Estão pensando que isso aqui é o quê? Um bar, para irem me colocando pra fora assim quando acaba a noite? Se for desse jeito, vou cogitar beber no expediente. Mas não, o dia é que acabara, a noite estava apenas começando e eu nem me dei conta que era hora de ir embora. Eu precisava organizar minhas idéias e decidi ir caminhando até em casa, achei que uns vinte minutos de lua cheia e vento fresco fariam a mágica. Logo que pus os pés na rua vi que não tinha lua nenhuma e o ar estava parado, a caminhada seria escura, abafada e solitária, mas não desanimei. Não mais. Chega por hoje.

Despedi-me de minha amiga e disse aquele ‘Qualquer coisa me liga’ que significa ‘Não me procure nem se o mundo estiver em chamas e o inferno Dantesco se apresentar diante de seus olhos’. E fui por aí, sem meu violão debaixo do braço, afinal ele foi dado como perdido e trocado por outro mais legal e mais bonito. Mas sem personalidade. No meu violão empenado e descolado tem uma menina de quinze anos, emburrada, chegando em casa e se jogando na cama bagunçada, que estava sempre bagunçada, mas dessa vez também estava dura e desconfortável, talvez porque tivesse um violão escondido ali e a menina, que queria uma guitarra, se apaixonou por ele mesmo assim. Como em muitas outras paixões, eles não se entenderam por muito tempo, mas isso é assunto para outro post.

Passei num supermercado pra comprar algo para beber e covardemente não pensar tanto naquilo que incomodava. Ou pensar sim, mas com o discernimento anestesiado. Três garrafas de Erdinger, nunca antes vistas por estas bandas, brilharam na prateleira do alto pra chamar minha atenção. De novo a prateleira do alto. Mas essa eu alcanço. Aproveitei para comprar pistache, mas eles não são importantes. Olhei-me no espelho de uma pilastra e levei uns cinco segundos analisando o quadro. Caída, desanimada e com olheiras. Hoje minha aparência era sincera, eu não escondia nada atrás de sorrisos e piadas prontas. Saí, levando as garrafas e a certeza de que um dia terminaria me encaixando no padrão da família: alcoólatra ou diabética. Ou os dois ao mesmo tempo.

Novamente na rua, olhei pra cima só pra me certificar se iria mesmo sozinha para casa. E ela estava lá, grande, branca, imponente e nublada. Mas tudo bem, ninguém brilha todo dia e eu podia fingir que era o astigmatismo me cegando e não a neblina que apagava o seu contorno. Não teve ciúmes quando viu que eu tinha companhia pra mais tarde, ela entendia que era grande demais pra minha escrivaninha e tampouco cabia no freezer. E me pus a caminhar com ela, do mesmo jeito de quando eu era criança e achava que a lua e o sol andavam junto comigo, pois onde eu fosse eles iam também.

Acendi um cigarro e lembrei de Aerosmith - as you take a hit off your last cigarette. Havia esquecido de comprar cigarros e já estava longe do lugar mais próximo. Na terceira curva, aquela onde um dia eu vi Raul Seixas entrar no mato e desaparecer, percebi que um cara vinha logo atrás de mim. Analisei os riscos quando notei que ele andava no mesmo passo, diminuindo ou apressando a velocidade de acordo com meu ritmo. Ele era bem maior que eu, como a maioria dos caras é e eu fiquei apreensiva. Pensei nas possibilidades:

1- Ele me assalta e foge. Não bom.
2- Ele me assalta, me espanca e foge. Também, não bom.
3- Ele me estupra, me espanca, me assalta, toma minha cerveja, mesmo quente, e foge. Nada bom.
4- Eu calculo o peso das garrafas, bato nele, ele cai, eu o espanco, não assalto, mas fujo. Sem chance. Eu não vou quebrar minhas primeiras Erdingers em qualquer assaltantezinho de merda.

Passa um caminhão fazendo estardalhaço e o bandido pilantra me ultrapassa na calçada, pela esquerda. Percebo que ele leva uma sacola azul, de um açougue. Uma sacola azul grande, do tipo que um cara solteiro não leva pra casa. E ele até que tinha cara de pai de família, de bem, que tava levando algo para a esposa dele cozinhar. Achei graça de mim e deixei-o ir embora, sem precisar ameaçá-lo com cacos de vidro. Acho que a bandida era eu.

Duas curvas depois fui atropelada por uma esperança. Ela era enorme, verde e passou por mim voando. Tentei me agarrar a ela, mas lembrei que o meio mais fácil de matar uma esperança é se agarrar a ela. Deixei que ela fosse embora, talvez ela estivesse correndo para alcançar o cara da sacola azul e ele podia estar precisando mais dela do que eu.

Um pastor gritava no microfone, do segundo andar de um sobrado, que Jesus sabia do que eu precisava. Ora, se eu não sabia, como ele que não me conhece poderia saber? Eu sei dele sim, o cara é bem relacionado, tá na mídia. Mas de mim, nunca se ouviu falar. E eu quis gritar pro cara do microfone que ele estava ensurdecendo meus pensamentos e que eu precisava lembrar, eu precisava lembrar de tudo quando chegasse em casa.

Não exatamente quando chegasse em casa, mas logo depois que ligasse a TV, assistisse o telejornal, abrisse o jornal impresso de hoje, do dia, O Dia, e lesse as tirinhas do Angeli, do Laerte e o horóscopo, aquele no qual eu não acredito, mas que dizia:

‘A tensão entre Lua e Plutão pode significar uma overdose de sensibilidade. A melhor coisa a fazer hoje é se recolher e pensar sobre o que está acontecendo com você. Não gaste muita energia com besteira, e principalmente, não se exponha a pessoas negativas. ’

Então, se você é negativo, suma daqui ou amaldiçôo todos os seus descendentes. Se não é, pode continuar lendo. A tirinha do Angeli dizia algo sobre fazer música para acabar com a música, cinema para acabar com o cinema, teatro para acabar com o teatro e crianças para acabar com a raça humana. Eu achei que fazia todo o sentido, enquanto pensava num meio de ensinar ao meu possível futuro filho como utilizar três garrafas de cerveja em sua defesa pessoal. A primeira lição seria: ‘Compre cervejas vagabundas’. E a segunda e última: ‘Saiba reconhecer uma sacola de açougue antes de tomar qualquer atitude.’ A TV dizia que o cara que vivia com dois corações não havia resistido. Não o culpo, já é difícil demais administrar um, o que dizer de dois?

Tinha bobó de camarão para jantar e eu pensei se valeria a pena ter pesadelos por causa dele. Seis milésimos de segundos depois, decidi que valia sim e jantei. Logo depois tomei um banho frio. Abri o registro do chuveiro todo, desliguei o aquecedor e deixei a água fria bater com força em mim. E lembrei dele e da cachoeira. Deles e das cachoeiras. E do sujeito mais velho, frustrado com o casamento, que toma banho frio de madrugada pensando em outras. Peguei minhas cervejas, levei para o quarto e comecei a desabafar nessa tela branca que te olha com cara de ‘E agora?’. O resultado você lê acima. Ou leu acima, se você é dessas pessoas normais que começam pelo início...

7 comentários:

  1. Algo no seu texto me fez sentir mal...
    Li o último parágrafo primeiro e me senti anormal! :(
    E não estou brincando... hehe

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  2. Quando eu crescer, quero brincar de escrever como vc.

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  3. Moral da história: hope is beer. Que nem no Hotel Ruanda.

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  4. Poxa eu também me senti mal. E você está acabando com a literatura.

    Eu não sei se foi a musica tocando (mesmo comigo estando meio surdo) ou meu DDA, mas eu não entendi metade do que você falou. Pesadelo por causa do camarão? WTF?

    =*

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  5. Eu quero ser que nem você quando crescer *-* -qq

    O pesadelo com o camarão tem algo a ver com a vez que você tava virando vegetariana e tal?[desenterrei/]

    Beijos :*

    [Ps.: Tbm me senti anormal -q]

    :*

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  6. Oi.

    Vim agradecer seu comentário lá no Diário de Solteiro. Beijos
    Parabéns pelo blog! Você escreve muito bem!

    Sucesso!

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  7. @Danzoc Anormal é bom.

    @Carlos Mas eu não cresci amigo, aí que tá o problema.

    @Vanzo Vou ali cortar os pulsos porque não vi esse filme ainda =|

    @Dan Dizer que eu tô acabando a literatura equivale a dizer que tô chutando cachorro morto?

    @CaroL É, você desenterrou os camarões hahahaha. E cara, não é que eu tive a bosta do pesadelo?

    @Carolina 'Brigada amore. Sou da equipe também, a gente se esbarra por lá ;)

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