segunda-feira, abril 27, 2009

Toc toc?

Às vezes brinco que tenho TOC. Eu digo que apenas brinco, pois tenho consciência de que o transtorno obsessivo compulsivo é uma desordem mental de relativa gravidade e não chego a me considerar doente ainda, embora os indícios apontem o contrário. O TOC é um distúrbio ligado à ansiedade, segundo a Associação Psiquiátrica Americana, e devo admitir: sou ansiosa. Muito. Desgraçadamente, eu diria. Do tipo que rói as unhas até o toco, espreme cravos inexistentes no braço e morde os lábios à exaustão. Ou até sangrarem, o que vier primeiro.

Minhas compulsões mais comuns estão relacionadas à organização e rituais. Não os satânicos, estes eu não pratico, embora possa citar uns seis ou oito nomes de pessoas que eu sacrificaria ao som de Gorgoroth, sem remorsos, em prol de um bem maior: o meu. Refiro-me aqui aos comportamentos voluntários e repetitivos aos quais me rendo após poucos segundos de negação e luta interna, como lavar o mesmo copo três vezes, caprichando nas beiradas. Ou ainda quando arrumo a cama e uma das pontas do edredom ou do lençol fica mais comprida que do outro lado. Eu finjo que não vi e continuo arrumando. Ela pisca pra mim. Ignoro. A pontinha do edredom acena. Eu me viro e faço de conta que não é comigo. Ela ondula, apesar de não haver uma única corrente de ar no ambiente. Aí sim eu me rendo e o alarme de TOC pisca vermelho, as sirenes tocam ensurdecedores dentro da minha mente cambaleante e acabo desmontando tudo e arrumando de novo. Com precisão milimétrica, costuras retas e nenhuma dobra visível.

O mesmo ocorre com meu armário. A organização das roupas segue um padrão claro. Primeiro separo por cores. Depois, por freqüência de uso (aquela saia rodada que eu detesto fica por baixo, por exemplo) e por fim, aproveito as cores para fazer um degradê: pretas por baixo, depois cinzas, azuis, roxas, lilases, rosas e por fim, brancas. As verdes e vermelhas eu deixo numa pilha à parte, pois não consegui encaixá-las nesse padrão ainda. Aceito sugestões.

Já atrasei também uma palestra em mais de 20 minutos porque não conseguia arrumar as cadeiras no auditório de modo que todas ficassem com exatamente a mesma distância entre elas. Não consigo pensar quando minha mesa de trabalho está caótica – o que corresponde a 80% do tempo – e arrumo a gola da camisa dos outros, mas nunca a minha própria. Tinha o hábito de, quando fazia as malas para viajar, ensacar cada peça de roupa separadamente, mas desse mal consegui me curar quando precisei dividir o quarto com uma amiga e ela escorregou num dos saquinhos, levando um tombo cinematográfico no banheiro do hotel. Ainda desviro chinelos, verifico se as luzes estão todas apagadas antes de dormir, duas, três vezes, se as vozes dentro da minha cabeça assim desejarem. Também não jogo nada no chão, salvo se a lixeira mais próxima estiver a 30 km de distância.

Meu primeiro contato com o TOC ocorreu ainda na infância, por volta dos oito anos de idade. Na ocasião conheci uma menina na casa da minha madrinha. Não lembro o nome dela, mas era simpática e já foi logo me puxando pro quintal, para brincar. Enquanto ela me levava pela mão esquerda eu ia escorregando a direita pela parede, enfiando os dedos nos vãos do reboco. Tão logo ela percebeu, uma expressão de horror absoluto tomou seu rosto e ela me puxou de volta para dentro, dessa vez com certa violência, me enfiando quase inteira dentro do tanque de lavar roupas. Ela esfregava com força minhas mãos enquanto explicava que eu não podia tocar nas paredes, que eram imundas e eu ficaria doente. Ela não devia ter mais que dez anos e eu não entendi muito bem na época, já que em casa eu brincava com lama, mato e outras coisas que provavelmente a teriam feito surtar completamente de nojo. Durante o pique-esconde ela me fez voltar à area de serviço várias vezes pra lavar as mãos, até que me cansei e me escondi, de vez, na barra da saia da minha mãe.

Lembrando disso, vejo que meu TOC se manifesta de maneira até saudável, não prejudica ninguém e quase nunca me faz bancar a maluca. Espero apenas que num futuro não muito distante eu consiga parar de guardar todas as xícaras com as asas viradas para o mesmo lado e aceite que as almofadas do sofá NÃO vão ficar sempre no mesmo lugar, a não ser que eu coloque Super Bonder nelas. Aliás, até que não é má ideia...

5 comentários:

  1. Tchê, eu não tenho TOC, mas admito que tenho umas manias repetitivas bem loucas: verificar janelas, forçar a fechadura da porta ao sair pra ver se fechou mesmo, me olhar sempre que passo na frente de um espelho (embora nem perceba isso e na verdade nao me enxergue...dizem que eu faço, mas nao me vejo, nem percebo). Mas acho que um pouco de loucuras e manias estranhas são inerentes a todos nós...uns mais, outros menos. Falei como "rituais" e "manias" no meu lá tb. Dá uma olhada. bjo

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  2. acredito que isso vai se perdendo conforme o convivio com pessoas que nao sofrem do mesmo mau. alias, o contrario, que brinquem com isso ainda.

    eu tinha muita mania de limpeza. demorava horas lavando alguma coisa. ainda demoro. tem que ficar limpo ao extremo. mas com o tempo estou melhorando. com relação a lavar copos, só 2x no maximo quando o sino dentor da cabeça toca. o da cama arrumada agora eu evito de arrumar, senão perco tempo tentando distribuir. e assim vai...

    pelo visto voce também andou lendo a Psique deste mês.. rs.

    Bjs

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  3. Quem vê este rostinho nem imagina uma mocinha louca, há quem diga que "existe um pouco de razão na loucura", mas sua voz interior é meio assustadora. Talvez o Chuck (sim, seu "eu interior" me lembrou ele) começaria a bater sua cabeça na parede pelo simples fato de suas vontades serem ignoradas. Bem, lá em casa tem um guarda-roupas muito bagunçado, quando sentir uma vontade louca, sinta-se a vontade, não vou me importar. :/

    Como diria um alguém que não faço a menor idéia de quem seja:
    "Cada doido com a sua mania".

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  4. a ansiedade é meio que uma companhia. não sei nem dizer quando foi que eu parei de roer unha, mas procuro nem pensar nisso - aconteceu e, antes que eu perceba que foi um acidente, deixa como tá e é melhor não pensar a respeito. espremer cravos imaginários nos braços e morder os lábios, não dá pra botar minha mão no fogo. até dava, mas, depois da última crise de ansiedade profunda que me deu (não sexta passada, a retrasada) não boto mais.
    tinha aquilo de contar os azulejos no banheiro, somar e tudo mais. tinha aquilo de passar a virada de ano sempre sozinho (que não sobreviveu ao meu primeiro reveillon na praia), tinha aquela de acharque o rádio tava falando comigo, tinha uma que era assim: em qualquer lugar que eu chegasse, eu tinha que pisar primeiro com o pé direito e, pra sair, tinha que ser com o direito ainda. quando eu assistia jogo de futebol, por exemplo, eu cruzava os dedos (indicador e médio + anular e mínimo - o que me deixava com mãos de tartaruga ninja) nas duas mãos - a mão direita pro ataque e a mão esquerda pra defesa. meu braço direito é mais desenvolvido que o esquerdo porque eu achava que devia dar mais atenção pra ele. essa diferença entre direita e esquerda só acabou quando, meu corpo me traiu e, no oculista, descobri que enxergava direitinho com o olho esquerdo e o direito era uma bosta.
    diz um psicólogo que isso causou um desvio na minha personalidade e que eu jamais ia conseguir deixar de ser forte e jamais ia conseguir ser sensível na vida.
    little did he knows again.

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  5. Ha muitos anos assisti uma reportagem sobre o assunto e me assustei ao perceber que eu tinha quase todos os sintomas citados como indícios de TOC.
    Passei a me observar e a perguntar para as pessoas que conviviam comigo se eu sempre fazia aquelas coisas (pq muitas vezes nós não nos damos conta). Descobri que eu tinha TOC.
    O TOC, como a maioria das psicopatologias,se manifesta em diferentes graus e o meu, graças a Deus, era baixíssimo. Tive dificuldade de parar com certos rituais repetitivos,mas PAREI.
    As vezes me pego fazendo coisas beeem parecidas com as que vc citou no post, mas... acho q isso ainda é normal. rs
    Gosto do modo como você escreve.

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