segunda-feira, abril 27, 2009

Eu sonhei que...

Estávamos andando há horas e o dia era de uma claridade tão intensa que se você olhasse pra cima e tentasse localizar a posição do sol, a impressão que teria era de que ele ocupava o céu TODO. Gagarin, se estivesse vendo de cima naquela hora, teria dito que a terra é branca como um ovo. Era como se milhares de lâmpadas fluorescentes de 100w estivessem pairando invisíveis sobre nossas cabeças. Claro e frio.

Em contraste com o branco, apenas o cinza do asfalto e o verde que ladeava a pista, num cenário que teria sido facilmente pintado por uma criança de oito anos brincando no Paintbrush. À medida que avançávamos, os arbustos baixos davam lugar a taquareiras e árvores de maior porte cujas raízes rachavam o asfalto, criando ondulações que dificultavam a caminhada. A estrada se estreitava e tomava forma de trilha, de modo que nem asfalto se via mais. Não sabia precisar a quanto tempo, mas já estávamos caminhando em mata fechada, desviando dos cipós e samambaias gigantes.

O pai seguia mudo ao meu lado o tempo todo e sua expressão grave anulava minha vontade de perguntar se o caminho era aquele mesmo, pois para mim estávamos irremediavelmente perdidos. Quando já havia abandonado a pretensão de chegar a algum lugar, surgiu em meio à mata um portão de ferro, alto, pintado de verde. Como se tudo já não estivesse surreal o bastante, o pai se voltou pra mim muito sério e disse:

_ Pode entrar, foi aqui que o Cazuza cresceu.

Diante da minha expressão de quem não está entendendo bulhufas ele abriu num chute o portão - que reclamou com um gritinho agudo - e me empurrou para dentro. Quando me virei já não havia mais pai, nem portão, nem mata fechada. Tudo que eu via até onde a vista alcançava era um gramado verde limão tão brilhante que causaria ataques epiléticos nos mais sensíveis. Do lado de dentro - que agora não era mais dentro, era tudo - havia uma casa grande, dessas de fazenda, branca com janelas azuis e uma varanda de madeira, na qual duas velhinhas nada decrépitas tricotavam e riam um riso solto, até perceberem minha presença. Uma delas, que lembrava a Bettie Page aos 80 anos, veio até mim e começou a me mostrar a fazenda (sítio, casa de repouso, viagem de ácido, chame como quiser). Tudo era estranhamente lindo e eu me distraí tanto que esqueci o que o Cazuza tinha a ver com aquilo tudo.

Na parte de trás do terreno, onde havia um lago, percebi o que era de longe a coisa mais esquisita que já tinha visto*: um cavalo de água. Não era um chafariz com efeitos especiais e muito menos uma escultura de gelo. Eu disse cavalo DE água. Feito de água. Vivo, andante e relinchante, mas incolor (se era também insípido e inodoro eu não posso afirmar com convicção). Ele bebericava do lago e cuspia longe. A cusparada passava rente ao meu rosto, molhando as teias de aranha da varanda logo atrás, me fazendo lembrar das teias orvalhadas do quintal de casa, quando eu acordava cedo pra brincar antes que o calor ficasse insuportável. E pareceu por um minuto que eu tinha feito todo aquele caminho até ali só para lembrar do orvalho.

Quando a lembrança desapareceu era noite e eu estava olhando o movimento na rua através da janela. Nem sombra do cavalo ou da fazenda. Duas mãos que eu não conhecia até então, mas que estavam acompanhadas de uma voz familiar, pousaram nos meus ombros e a voz perguntou:

_ Você não vem?

E eu fui, sem saber o destino e nem o porquê.




* Ainda estou decidindo se declaro empate técnico com a aparição do Raul Seixas, com a criatura verde das bananeiras e com o passarinho transparente azul turquesa, que apareceu num outro sonho, dias depois.

4 comentários:

  1. Tchê, oq tu comeu/bebeu/fumou/cheirou antes de deitar pra dormir? sobrou um pouco pra mim?

    ResponderExcluir
  2. no meu computador, na pasta "textos" tem uma coisa que eu escrevi no dia 14 de abril que começa assim:


    Dois sonhos.

    Engraçado como o sonho que vc sonhou se encaixa com um meu, que eu sonhei uma noite antes.
    No seu, você lembra bem melhor que eu, eu digo pra você “você vem?” e você vem.
    No meu, eu digo “olha: você chegou” e você responde “cheguei”

    (daí, parei de escrever - provavelmente porque a gente começou a conversar)


    só começa.
    nunca termina.



    so be it.

    ResponderExcluir
  3. AAAAH eu adoro ler sonhos dos outros. Tá, isso soou psicopata... Mas é legal. Eu consigo imaginar direitinho.
    E as teias orvalhadas fizeram meu dia, era uma memória que eu não tinha mais...

    =**

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Dan, conta seu sonho aqui e lê o dos outros :) você vai gostar: www.sonheique.com.br

      Excluir

Desembucha...