segunda-feira, janeiro 26, 2009

Pesadelo.

Era chegado meu primeiro dia. Não achei, apesar de tanta observação, pesquisa e estudo durante meses a fio, que fosse encontrar uma cena daquelas logo no meu primeiro caso. O agente mais experiente, a quem eu via como uma espécie de mentor, seguia logo atrás de mim, chamando a minha atenção para um ou outro detalhe. Era bem mais alto que eu e trajava um terno cinza que parecia ser de um tamanho menor que o ideal. Sua sombra projetada no chão à minha frente transmitia uma sensação de segurança que era quase opressora. Eu sabia que ele estava ali para me orientar, embora ao mesmo tempo me sentisse a novata inexperiente pronta para estragar tudo.

E foi assim que eu comecei, estragando a cena. Movi acidentalmente a vassoura que me impedia de abrir a porta num ângulo mais confortável, derrubando também uma cadeira que estava logo atrás. Os outros agentes entreolharam-se com ar de desdém e eu só queria um meio de me tele transportar dali. Mas segui em frente, ainda que embaraçada, ditando os detalhes que considerava importantes e tentando não me chocar com o ambiente em volta: um pequeno conjugado, numa viela estreita, apesar de bem iluminada. Poucos móveis, todos fora de lugar, lençóis e travesseiros espalhados a esmo. Uma cama grande com gavetas dominava o ambiente, restringindo nosso avanço até os outros dois cômodos: uma pequena cozinha e um banheiro. Papéis espalhados sobre a cama completavam o cenário. O corpo, feito em pedaços, fora cuidadosamente depositado nas gavetas da cama, mas não fora esquartejado de forma que fosse possível fechá-las. Por isso, apesar da bagunça reinante no local, as gavetas semi-abertas exibiam o único detalhe que evidenciava que um crime fora cometido ali. Havia duas possibilidades: ou o assassino sumira com a arma do crime e com toda a sujeira que deveria haver após o homicídio ou ele apenas havia depositado o corpo ali, o que não explicaria a mobília desalinhada e os objetos espalhados pelo chão e pela cama.

Enquanto seguia fazendo minhas observações sobre o ocorrido, adentrando a ínfima cozinha que parecia ter sido atingida por um tufão, percebi um silêncio repentino. Virei-me para o quarto e me deparei com um cenário perturbador: os três agentes que me acompanhavam, além dos dois peritos que recolhiam evidências no local, jaziam inertes no chão, com uma inconfundível expressão de terror em suas faces, olhos arregalados sem vida e suas bocas haviam se tornado um borrão disforme, que imortalizara a intenção de um grito.

De pé contra o sol da manhã, sob o batente da porta aberta, estava um sujeito muito alto, de compleição forte. Mesmo com a claridade que me impedia de vê-lo em maiores detalhes, eu sabia que ele me fitava diretamente nos olhos, sem desviar o olhar ou piscar. Meu primeiro reflexo natural seria sacar minha pistola, mas havia algo de estranho com aqueles olhos. Parecia que o tempo havia congelado desde que ele entrara no recinto. A própria poeira pairava lenta pelo quarto sem pousar em nada. O ar estava estático e mesmo os sons da rua pareciam ter desaparecido.

Ele começou a avançar vagarosamente em minha direção, sem nunca desviar o olhar que me aterrorizava a ponto de não permitir que eu me movesse. Segurou-me pelo pescoço e me levantou do chão como se eu nada fosse. Nesse momento notei uma pequena alteração em seu olhar, parecia incrédulo, como se algo fugisse aos seus planos. Ouvi um som familiar e olhei para o lado. Era meu celular que tocava sobre a cama. Nesse momento eu acordei, estiquei o braço e atendi a ligação dele, ainda assustada com o pesadelo que acabara de ter.

4 comentários:

  1. Quando eu falo que naquela foto ele tá com cara de Hannibal Lecter, tenho meus motivos.

    TENSO.

    ResponderExcluir
  2. massa o post... vc escreve mto bem! puta narrativa gostosa de ler...

    ResponderExcluir
  3. raymond chandler ficaria orgulhoso de vc, sabe?
    ando tendo saudade de ter pesadelos. faz muito, mas muito tempo que não tenho um. e, na mistura de religião-filosofia e superstição que é isso que eu acredito, não ter pesadelos não é um bom sinal não.
    beijo, joice.

    ResponderExcluir
  4. eu ia dizer que queria ter pesadelos assim... mas a culpa é da tua narrativa

    um dia eu chego lá

    ResponderExcluir

Desembucha...