segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Ah, as crianças!

Pude sair mais cedo do trabalho hoje. De tanto reclamar que não gostava de ficar sozinha na empresa, que lá é escuro, frio, que os canos estalam e o elevador faz uns barulhos nefastos, eis que me deixaram partir com o resto da manada. Isso me deu umas duas horas a mais de sol. Como sol em Petrópolis é algo raro, que deve ser aproveitado sempre que se tem a oportunidade, decidi ir a pé para casa. Nada muito radical, coisa de 20 minutos, moleza para o All star verde exército.

Pelo caminho eu observava as crianças que estudam no turno da tarde fazendo bagunça e me lembrava de quando eu tinha a idade delas. Ou antes. E um pouco depois também. Ok, bem depois. Segundo me consta (e minha mãe me conta) eu fui o capeta em forma de guria desde o momento em que consegui parar sentada sozinha até meu primeiro dia de trabalho. Isso compreende mais ou menos uns 19 anos de inferno astral na vida dos meus pais.

Sou primogênita de um casal que não conseguia ter filhos, mas que tentou de todo jeito, com todos os esforços que eram permitidos pela medicina há 25 anos atrás. Quando conseguiram, a encrenca que deveria ter sido dividida em partes iguais entre três filhos veio toda de uma vez só. Começaram a perceber que tinha algo errado logo que eu parei de mamar e comecei a comer aquelas papinhas nojentas que parecem patê de virilha de dromedário defumado. Quando me davam na boca, eu acumulava tudo nas bochechas (utilizando estratégia que mais tarde descobri pertencer aos hamsters) e cuspia na cara do infeliz mais próximo, geralmente minha avó ou a babá. Aliás, eu chamo de ‘babá’ genericamente, pois não tive chance de pegar intimidade com nenhuma das cinco moças que pediram arrego nas duas primeiras semanas de trabalho. Quando desistiram de bancar o aviãozinho, que eu chamaria de Enola gay, devido à carga que trazia, aprendi a usar o prato e a colherzinha. Aliás, que invenção incrível a colherzinha. Na medida pra usar de catapulta e arremessar a comida a longas distâncias. Eu estava crescendo. E aprimorando minhas técnicas.

A pracinha no domingo era uma guerra suja e injusta. A pobre da minha mãe, um pouco deslumbrada com a idéia de ter uma filha, me vestia de princesa da Disney para ir brincar. Como meus argumentos na época não eram muito fortes, fazia o possível para demonstrar em atos que aquilo não era nada confortável. Logo que me desvencilhava das mãos maternas, corria pro canteiro de areia que ficava embaixo do escorregador, onde as crianças maiores, aquelas que tinham colhões para ficar lá em cima na casinha, jogavam todo tipo de coisa melosa, babada e imunda: palitos de picolé, restos de algodão doce, chicletes mascados, pipoca mole e caca de bodinho. Se depois de chafurdar naquela terra de ninguém eu ainda achasse que estava limpa o bastante para minha mãe ter coragem de encostar em mim, era a deixa pra pedir¹ uma maçã do amor e esfregá-la no cabelo e no vestido, tão logo a casquinha estivesse devidamente amolecida por baba.

¹Pedir, do latim espernear: solicitar veementemente, utilizando-se de táticas de chantagem emocional, tais como se atirar ao chão e bater com a cabeça para chamar atenção dos passantes.

Lembro-me também da minha indiscrição, que causava enorme embaraço aos meus pais, como na vez em que persegui uma senhora amputada dentro de um mercado:

_ Cadê sua perna? - Perguntei com a cara mais lavada do mundo.
_ Eu perdi, minha filha.
_ E por que não procura?! - Eu não me conformava...

Ou então quando me enfiei embaixo do vestido de uma vovó simpática, de seus 70 anos:

_ Nossa! Seus peitos caíram aí, olha! - Eu disse, enquanto buzinava na velhinha.

Minha mãe se habituou a me esconder atrás dela quando passava alguém com alguma particularidade física, por menor que fosse. Eu não fazia por mal, só era curiosa demais e não tinha meios de sanar minhas dúvidas, senão com pesquisa de campo.
Se fosse citar todas as confusões que aprontei, valeria a pena escrever um livro, já que aqui fica pequeno demais para alguém que trucidou pintinhos por esmagamento aos três anos, que fugiu sozinha de ônibus aos cinco, foi pedida em casamento (com direito a aliança roubada) aos sete e incendiou um barraco aos doze...

10 comentários:

  1. E eu aqui acreditando PIAMENTE que tu era uma menina quietinha, educadinha e vestida de princesinha até os 20, né... Aham, te saquei nos primeiros 10 min de papo ctg! Hehehe, bjao lokinha!

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  2. Eu vivia caindo (e ainda vivo) qnd era pequena, mas nem aprontava muito. Eu sempre me auto-flagelava, o que inclui a vez em que eu me enfiei numa roseira e saí de lá com os braços enfestados de espinhos. eu era boazinha e dividia meus Trakinas com o cachorro, deixando ele morder o biscoito antes de mim. Que nojinho, neah?!

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  3. Que belezinha, não? Docinho de criança. Agora, a da perna foi absolutamente sensacional.

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  4. UHEUAEHEHAUEHAUEHAUHauehau

    que maravilha isso, tu era um doce de criança.

    Mas eu tinha esses questionamentos também, já fiz essa de perguntar em alto e bom som, sobre o que tinha acontecido com a perna de um mendigo.

    Te entendo... somos cientistas natos.

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  5. Menina, já perdi a conta de quantas vezes já vim aqui e não comentei. Te sigo no twitter (/carolda) mas sabe, não é nada pessoal, é que eu faço 156545 coisas ao mesmo tempo. Ou será que já comentei aqui antes? .D
    Enfim... enxerguei minha irmã enquanto lia seu post. "Escrita e escarrada" (y) Ela sempre fez eu e minha mãe passar por situações embaraçosas e cômicas. Aliás, até hoje ela tem suas pérolas. Adoro ;D
    Agora, realmente, esse episódio em que você perguntou sobre a perna da mulher foi sensacional! Ri alto aqui .D

    Beijos

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  6. existe sempre lugar no mundo pra crianças como você, joh!

    esse post me deu vontade de escrever um outro post só pra conversar com o seu.
    mas acho que já fiz isso quando a claro resolveu me deixar falando sozinho.

    quando eu era moleque, meu pai tinha mania de fazer comigo o que pais fazem com os filhos homens. "vamos lá, filhão, vamos dar a primeira mijada do dia juntos".
    ele parou quando eu desenvolvi o hábito de fazer minha parte, despejando minha bexiguinha de bambucha dentro da privada e fechando a tampoa, deixando ao meu pai tentando controlar a parte que lhe faltava em vão e espirrando tudo nas paredes do banheiro.

    foi aí que meu pai cunhou uma daquelas maravilhosas frases que eu e meu irmão invocávamos quando queríamos rir da cara dele em segredo: "olha só, agora eu urinei em tudo!".

    desculpa pela falta de modos da claro ontem.

    beijo.

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  7. Não existe criança comportada. Todas parecem ter ouvido Darkthrone no útero.

    =*

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  8. Ainda bem que não existia Supernanny naquela epoca, hein?

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  9. eu tb sou primogenito de um casal q nao podia ter filhos =) e que fez um tratamento ha 21 anos atras. haha
    eu era chato demais para brincar com outras crianças... ficava excluido até alguma menina me chamar pra brincar de casinha. E sim, eu era o pai.

    agora.. joh, vc ta escrevendo mto bem! parabens =) nucna ri tanto com os seus posts.
    =**

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