quinta-feira, maio 28, 2009

Dies Irae

Eu sei, estou sem escrever aqui há muito tempo. O motivo é um só: gente pra reclamar tem aos montes, não quero me servir do blog pra isso. Eu costumava usar esse espaço como válvula de escape sim, mas geralmente saíam uns textos que se não eram engraçados, eram pelo menos desesperadamente caóticos, como é a minha rotina. E provavelmente a sua também. E a dos outros. Nada me animava mais do que a perspectiva de chegar em casa depois de um dia cheio de merda, tomar um banho, comer qualquer coisa e sentar na frente do monitor com aquela tela branca hipnotizante onde eu poderia vomitar tudo o que me incomodasse. Mas não tem sido assim. Tem uns meses, uns dois ou três eu acho, que só ligo o computador pra falar com você (é, você) e ler uma coisa ou outra por aí nos blogs da vida. Não estou reclamando disso não, de forma alguma. Conversar com você é tão bom quanto escrever.

O problema é que tudo que eu preciso... não, preciso não. Tudo que eu TENHO VONTADE de colocar no papel nasce durante o banho, enquanto estou escovando os dentes de manhã ou na espera pelo ônibus, 40 minutos atrasada, equilibrando bolsa, caderno da faculdade, casaco e cigarro, sem bloquinho, caneta e apoio para fazer anotações. Muita coisa vem também antes de dormir, naqueles minutinhos em que a gente fica repassando o dia mentalmente. Ontem à noite, logo depois que liguei o piloto automático e desliguei o computador, começou a chover forte e eu fiquei feliz por isso, pois sabia que ia conseguir pegar no sono depressa. Não há calmante no mundo que se compare ao barulho da chuva batendo na janela do quarto. Se cada fucked up insone no mundo parasse pra ouvir a chuva, ninguém mais tomaria Dalmadorm, Noctal ou Dormonid. Falando em chuva, acabou de chegar uma mensagem aqui dizendo que você ganhou uma piscina. Dentro do apartamento.

No começo do ano escrevi sobre as previsões para 2009 e apesar de não ser uma criatura muito holística, maluca beleza ou entusiasta do oculto, confesso que o ano tem sido tão ruim quanto os búzios e a astrologia previram. Parece que uma zica descomunal ronda minha família: mãe enfartada, pai hipertenso, avô deprimido e, dos males o menor, já tive amidalite três vezes de março pra cá, terminei um relacionamento que poderia estar na segunda série do ensino fundamental (se fosse uma criança), troquei de faculdade e me viro como posso para dar conta de tudo. É claro que não ando tendo sucesso.

Agora estou aqui me preparando psicologicamente pra buscar meu gato – ou o que restou dele – no veterinário. Dependendo do estado em que ele estiver vou ter de ficar perto e perderei aula na faculdade, sem poder. Ontem quando o deixei lá o veterinário ficou me olhando com aquela expressão óbvia de alguém que achava que quem estava precisando de cuidados médicos não era bem o gato. Parece pouca merda, eu sei. Quando penso nos males alheios meus problemas tomam uma proporção ridícula, mas ainda assim eles me dão torcicolo, me tiram a fome, tenho enxaqueca e deixo de escrever, de produzir, de viver por causa deles.

Minha mãe continua usando o enfarte como desculpa para todo ataque de pelanca provocado por coisa nenhuma, meu pai hipertenso e gordo continua comendo feito um porco somaliano, descontando em todos sua revolta com a existência miserável que ele mesmo cavou para ele quando casou aos 21 e constituiu família sem o mínimo planejamento ou noção. Meu avô deveria considerar seriamente a possibilidade de entrar para um grupo de jogadores de gamão e... Tá vendo? Falei que não ia usar isso aqui para reclamar e já tenho 2.789 caracteres de pura revolta. Vou voltar ao trabalho, seguir seu conselho e tentar não olhar pra baixo.

2 comentários:

  1. Pode soar um pouco de psicologia pseudo ajuda barata, mas é mais ou menos isso mesmo: a unica vantagem em comparar seus problemas com os outros é perceber que, de forma alguma, os seus próprios é fim de mundo. Mas, a partir do momento que os seus possuem uma proporção que te incomode, não ha fome na Africa (ou o equivalente) que te faça sentir melhor ou menos afortunada.

    Enfim, espero que ajude um pouco.

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  2. "Foi o melhor dos tempos,
    foi o pior dos tempos,
    foi a idade da sabedoria,
    foi a idade da tolice,
    foi a época da fé,
    foi a época da incredulidade,
    foi a estação da luz,
    foi a estação das trevas,
    foi a primavera da esperança,
    foi o inverno do desespero tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada
    diante de nós.

    - A Tale of Two Cities‎ (1859), Charles Dickens

    sempre que a vida tá esquisita assim, fico tentando lembrar como o Dickens começa o Conto das Duas Cidades.

    Eu também sou tão metafísco quanto Alberto Caeiro, mas, embora todo
    mundo me dissesse que 2009 prometia - prometia ser uma BOSTA - essa sensação ficou muito mais clara quando no fim do ano passado, perdi o emprego número dois (que era aquele que eu queria que fosse o número um). Eu via o Obama dizendo "Yes We Can" e pensava "No We Can't". E eu tinha acabado de mudar de apartamento, ia pagar um aluguel mais caro e
    acho que, ao mesmo tempo que você, terminei um relacionamento que poderia estar no primeiro ano do ensino fundamental, se fosse uma criança.

    (parei de escrever aqui, porque tive que ir embora do trabalho, e precisava desta informação abaixo em mãos, pra continuar dizendo aquilo que pareceu fazer sentido enquanto eu fazia aquele caminho da paulista, augusta, à esquerda no posto e sempre em frente)

    sabe que não molhou nada?

    da outra vez, me deu um pouco de desespero porque tinha um caderno azul logo abaixo da janela e ele não podia molhar de jeito nenhum.
    (e pra não dizer que hoje não molhou nada-nada-nada, o chão perto da janela ficou ligeiramente orvalhado - só)

    no caminho, me veio à cabeça uma história da Alice no País do Espelho, que eu provavelmente vou embananar tudo pra contar, mas é mais ou menos assim: a Alice encontra com a rainha e a rainha está chorando e a Alice quer saber porque a rainha está chorando. a rainha mostra um broche que ela tem na mão e diz pra Alice que chora porque vai espetar o dedo no alfinete do broche. quando Alice pensa em dizer algo como "discorra", o broche escapa da mão da rainha, ela tenta pegar, mas o broche abre e espeta o dedo da rainha que, imediatamente, pára de chorar. Alice pergunta porque, agora que ela furou o dedo, ela não chora mais. E a rainha responde que não faz mais sentido chorar, porque já era - o dedo tá furado mesmo.

    dos ultimos meses pra cá, tenho me sentido inspirado como nunca antes na vida.

    por isso, meu chuveiro tem sido um lugar ótimo pra se ter idéias. tem horas que eu estou lá e me vêem idéias em cardumes e eu fico tentando catar todas elas pelas pernas, pelos rabos e por onde mais for possível pegar idéias. elas correm rápido, elas trombam no armário e elas se escondem atrás de umas coisas bestas e, quando fico olhando muito tempo pras coisas bestas, as idéias >ploof< desaparecem no tempo e no espaço.
    isso tem acontecido não só no chuveiro, mas no caminho de volta pra casa, em companhia das pessoas e em todo canto.
    e eu tenho conseguido correr atrás de algumas delas por tempo o bastante pra me lembrar como elas são, mas um número ainda maior sempre escapa.
    às vezes, é que nem quando o leão (na real é a leoa, porque é sempre a leoa que faz tudo aquilo que dá ao leão a fama de "rei da floresta") quando a leoa parte pra cima dos antílopes (não vou botar veado pra não esculhambar) ela escolhe um e aquele lá tá fodido, porque é ele que ela vai pegar e se ela não pegar aquele, é bem capaz que ela não pegue nenhum outro, porque os antílopes são como idéias, eles saem pulando, cada um pra um canto e é piscar pra não ver mais.

    o que eu sei é que este ano tem todos os motivos do mundo pra ser uma bosta.
    todos menos um.
    pra não olhar pro abismo, olho pra esse motivo que eu tenho e, quando olho pra ele, todo o resto silencia como que por respeito.

    e escrever, a melhor parte de escrever, é justamente conversar com você.

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